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Na quarta-feira (23), foi publicado pelo portal Jota o artigo intitulado “Reforma administrativa: a falácia comparativa entre o setor público e o privado”, assinado pela presidente da ANAUNI e diretora-financeira do FORVM, Márcia David. Ao longo do texto, a diretora destaca que, com a conclusão da reforma da previdência, têm se tornado frequentes as comparações entre o setor público e o setor privado e a disseminação, na imprensa, da equivocada informação de que o funcionalismo público é ineficiente. “É necessário olhar com prudência para a reforma que se avizinha. É sim uma oportunidade para diminuir desigualdades e construir um Brasil mais justo, mas não pode servir à perpetração de injustiças, mormente as fundadas na comparação de realidades substancialmente distintas”, atenta Márcia David.

*Clique aqui para ler o artigo completo no site Jota.

Confira abaixo o conteúdo do artigo:

 

Reforma administrativa: a falácia comparativa entre o setor público e o privado

Membro da Advocacia-Geral da União lida com causas relevantes desde o seu ingresso na instituição

 

Estando em fase de conclusão a reforma previdenciária, vão se tornando na imprensa cada vez mais frequentes as menções à reforma administrativa do Estado brasileiro. Focada nos servidores públicos, parte-se da premissa de que o funcionalismo público é ineficiente, havendo muitas carreiras, com salários altos e privilégios inúmeros, com um retorno baixo à sociedade brasileira.

Recente relatório do Banco Mundial (que se assoma a outro, também do BM, de 2017) se propõe a fazer diagnóstico sobre o funcionalismo público brasileiro, realizando sucessivas comparações entre o servidor público e o setor privado: sustenta que os salários de servidores públicos federais, em cargos e áreas de atuação semelhante seriam 96% maiores que os do setor privado, que se chegaria em muito pouco tempo ao fim da carreira, e que não haveria estímulos para a eficiência maior do servidor.

Na atividade advocatícia, por exemplo, o relatório de 2017 aduz que os membros da Advocacia-Geral da União, advogados da União e procuradores da Fazenda Nacional, em início de carreira, receberiam aproximadamente seis vezes mais que suas contraparte privadas também em início de carreira. Isto, na forma do relatório, seria uma distorção a ser corrigida, devendo ser nivelados os salários dos advogados públicos e dos advogados privados.

O relatório ignora que, por vezes, o advogado público que ingressa na Advocacia-Geral da União já foi um advogado privado – com muitos anos de experiência – e que é o seu destacamento (e mérito) que lhe permite alcançar o cargo na instituição, deixando para trás a carreira privada: a AGU exige atuação advocatícia exclusiva de seus membros.

São bastante raros os casos em que a carreira de um advogado se inicia na AGU. Todavia, mesmo quando isto ocorre, trata-se de um claro caso de mérito a ser reconhecido, dada a rígida seleção promovida pela instituição para admissão de seus membros – bem mais rígida que o teste de proficiência feito pela Ordem dos Advogados do Brasil para a obtenção do registro profissional, único requisito necessário ao exercício da advocacia privada.

Também há que se considerar o grau de responsabilidades de cada um. O advogado privado em início de carreira lida com causas de baixo valor, litígios no qual a derrota não tem o condão de causar prejuízos substanciais ao escritório ou ao cliente representado. São necessários anos de trabalho, com o desenvolvimento de competências e confiança, para que responsabilidades maiores sejam confiadas ao advogado privado dentro do escritório.

Por outro lado, o membro da Advocacia-Geral da União lida com causas relevantes desde o seu ingresso na instituição. O Poder Público é constantemente desafiado em causas milionárias, bilionárias, ou mesmo causas que não tendo valor algum, são capazes de causar impasses no desenvolvimento do país – como as ações para barrar a nomeação de ministros, para travar a realização de obras e investimentos públicos, para declaração de inconstitucionalidade de leis perante o STF, entre outros.

Tais ações são distribuídas a Advogados da União e Procuradores da Fazenda, dentro da sua respectiva esfera de competência, e devem ser manejadas com técnica e competência desde logo, sendo para isto necessário pessoal capacitado agora – e não apenas daqui a 10 ou 15 anos, como se insinua.

Este quadro pode ser sintetizado da seguinte maneira: a advocacia pública precisa de advogados de alta qualidade, e precisa deles neste momento. O tempo para esperar é um luxo da iniciativa privada, que o setor público não tem.

Os relatórios do Banco Mundial, olhando friamente os números econômicos, não oferecem soluções satisfatórias para este quadro. Quando muito, é falado em uma entrada lateral no serviço público, em que advogados privados mais experientes poderiam ingressar já em níveis mais altos da carreira, ou em contratações precárias para o atendimento de demandas específicas, em um ensaio ao retorno do tempo do não comprometimento com o serviço público: quem passa “uma chuva” no serviço público tende, naturalmente, a ser menos comprometido com a coisa pública do que quem quer desenvolver uma carreira inteira nele.

Por isto, é necessário olhar com prudência para a reforma que se avizinha. É sim uma oportunidade para diminuir desigualdades e construir um Brasil mais justo, mas não pode servir à perpetração de injustiças, mormente as fundadas na comparação de realidades substancialmente distintas.

MÁRCIA DAVID – advogada da União e presidente da ANAUNI – Associação Nacional dos Advogados da União.